domingo, 13 de janeiro de 2008

O CONCEITO DE DEMOCRACIA EM SCHUMPETER (I)

A democracia é o governo dos políticos (J. A. Schumpeter)

Breno Rodrigo de Messias Leite

A grande discussão em torno da Democracia recente está sustentada em dois princípios elementares. De um lado, encontra-se a noção de democracia formal, puramente descritiva e que não acrescenta nada a mais que instituições livres e a garantia de direitos prescritos. De outro, pode-se encontrar a formulação de democracia substantiva, onde a participação popular muitas vezes extrapola o conceito meramente representativo e chega a determinar o ordenamento da sociedade política. Para alguns, ainda, a primeira representaria da democracia “burguesa”, enquanto a segunda a democracia “socialista”.

Outra discussão, talvez mais profunda, e não se distanciando muito das questões apresentadas no parágrafo anterior, é a ruptura teórico-conceitual elaborada por Schumpeter. Ruptura esta que rearticula o conceito de democracia demarcando-a em torno das instituições políticas, desassociando, portanto, da interpretação sociológica popular iniciada por Aristóteles.

Por esta razão, é valido destacar, nesse breve artigo, o papel central da teoria competitiva da democracia (ou teoria minimalista da democracia, ou ainda teoria econômica da democracia) desenvolvida nas análises de Joseph Schumpeter, em Capitalismo, Socialismo e Democracia (Fundo de Cultura Econômica, 1961.), para a compreensão e entendimento dos processos de modernização política, social e econômica.

Schumpeter apresenta essencialmente duas teorias distintas sobre a questão da teoria democrática política. A teoria clássica presente nas obras de Aristóteles, Locke, Rousseau entre outros, que problematiza a questão da democracia no sentido de atribuir ao “povo”, ou conjunto de cidadãos, os fundamentos de legitimação dos pressupostos democráticos na sociedade e no Estado. Por outro lado, a democracia schumpeteriana aplicada às sociedades modernas tem como fundamento maior um aparato institucional de tomada de decisões políticas que se sobrepõe legitimamente ao próprio povo.

O leitor deve recordar que nossas principais dificuldades no estudo da teoria [política] clássica centralizavam-se na afirmação de que o povo tem uma opinião definida e racional a respeito de todas as questões e que manifesta essa opinião – numa democracia – pela escolha de representantes que se encarregam de sua execução. Por conseguinte, a seleção dos representantes é secundária ao principal objetivo do sistema democrático, que consiste em atribuir ao eleitorado o poder de decidir sobre os assuntos políticos. Suponhamos agora que invertemos os papéis desses dois elementos e tornamos a decisão de questões pelo eleitorado secundária à eleição de representantes, que tomarão, nesse caso, as decisões. Ou em outras palavras, diremos que agora que o papel do povo é formar um governo, ou corpo intermediário, que, por seu turno, formará o executivo nacional, ou governo. Nossa definição passa então a ter o seguinte fraseado: o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor” (:327-8)

Dessa forma, na interpretação schumpeteriana, a democracia deve ser entendida a partir de alguns princípios:

Primeiramente, o poder Executivo deve ser limitado pelo Legislativo (tese do liberalismo clássico preservado no pensamento político de Schumpeter).

Em segundo, no procedimento democrático, a política é efetivada e realizada pelas lideranças (o papel das lideranças políticas é central no livre desenvolvimento e da competição democrática).

Em terceiro, as vontades coletivas não são negligenciadas, pelo contrário: é preciso criar vínculos que articulem tanto os interesses regionais ou privados, quanto os círculos de opinião pública, a fim de formar um ambiente favorável e propositivo para o fluxo de idéias e propostas, que Schumpeter chama de “situação política”.

Em quarto, a concorrência só realiza-se num ambiente plenamente democrático, pois a democracia permite que exista uma forte concorrência entre seus competidores (políticos), ou seja, “a concorrência livre pelo voto livre” dos eleitores e pelo controle institucional.

Em quinto, a democracia estabelece uma relação intima com as garantias das liberdades individuais e sociais fundamentais das sociedades de capitalismo avançado, à medida que as instituições fortalecem-se e legitimam o processo de emancipação jurídica e política.

Em sexto, o eleitorado tem o dever de formar o governo, mas também de dissolvê-lo mediante um ambiente adverso, de impopularidade ou corrupção – uma velha tese lockeana.

E em sétimo, a importância da representação proporcional que é garantida pela “vontade da maioria” em termos de representatividade (Schumpeter) e não pela “vontade do povo” (teoria clássica da democracia).

O centro do conceito de democracia em Schumpeter pode ser entendido nos seguintes termos:

A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. E justamente este deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de definição” (:295-6).

Embora o pessimismo teórico de Schumpeter, para alguns, possa refletir algo negativista no tocante a política, desde já, podemos dizer que não entendemos assim. A democracia na sua interpretação minimalista permite ao analista político efetivar um approach teórico-empírico mais articulado, totalizado nas correlações de forças de cada situação concreta cheia de incertezas (observação feita por Adam Przeworski).

Afastando-se, nesse sentido, qualquer tendência utopista, fantástica e imprecisa do que se pode entender por democracia. O que está em jogo é apresentar uma outra visão da democracia: a democracia enquanto mecanismo institucional de tomada de decisão política. Tornando-a mais precisa, e fazendo com que os sujeitos que, de fato, participam da vida política manifestem seus desejos, propostas e interesses de maneira mais clara, nas instituições. A falsa consciência de “governo do povo e para o povo” – que Marx, aliás, já criticava no seu brilhante 18 Brumário de Louis Bonaparte –, torna-se apenas um jargão se levarmos em consideração o que a democracia é e sempre foi.

De qualquer modo, a partir das referências teóricas desenvolvidas por Schumpeter, a questão da democracia torna-se mais efetiva em termos de objetividade institucional. Em todo caso, a questão transforma-se em um obstáculo: de que forma pode-se aproxima a sociedade política da sociedade civil? O retorno às origens da modernidade e aos princípios republicanos? Aí é assunto para outra discussão...

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Breno,

Noto que vc admira Schumpeter, provavelmente porque o considera um teórico realista. É certo que Schumpeter, ao contrário de Mosca e Pareto, não era um autor antiliberal, mas era, claramente, um pessimista, que a via a democracia como mero método de escolha dos governantes. No período entre eleições, o eleitorado nada poderia fazer para influenciar as decisões da elite dirigente. Nesse sentido, a sua terceira proposição ("Em terceiro lugar, as vontades políticas não são negligenciadas") não me parece, com todo o respeito, muito adequada, pois, para Schumpeter, o povo era um mero espectador da cena política, chamado, periodicamente, a votar, mas sem realizar o que se chama hoje de accountability horizontal.
A 4ª proposição ("A concorrência só realiza-se num ambiente democrático") deve ser matizada, pois há sistemas políticos que, embora não sendo democráticos, permitem a concorrência entre grupos ou oligarquias. Basta termos em mente os tipos criados por Dahl. É curioso constatar que, hoje, até mesmo algumas ditaduras realizam eleições (concorrência, portanto) objetivando legitimar-se diante dos governados - Dahl cita, por exemplo, o peronismo que, embora permitisse uma alta participação popular nas eleições, reprimia, por outro lado, a oposição, o que afastava aquele sistema de ser considerado uma poliarquia.
No conjunto, todavia, gostei do seu artigo, apesar das discordâncias acima descritas.

Abraços,

Bandarra.