A democracia é o governo dos políticos (J. A. Schumpeter)
Breno Rodrigo de Messias Leite
A grande discussão em torno da Democracia recente está sustentada em dois princípios elementares. De um lado, encontra-se a noção de democracia formal, puramente descritiva e que não acrescenta nada a mais que instituições livres e a garantia de direitos prescritos. De outro, pode-se encontrar a formulação de democracia substantiva, onde a participação popular muitas vezes extrapola o conceito meramente representativo e chega a determinar o ordenamento da sociedade política. Para alguns, ainda, a primeira representaria da democracia “burguesa”, enquanto a segunda a democracia “socialista”.
Outra discussão, talvez mais profunda, e não se distanciando muito das questões apresentadas no parágrafo anterior, é a ruptura teórico-conceitual elaborada por Schumpeter. Ruptura esta que rearticula o conceito de democracia demarcando-a em torno das instituições políticas, desassociando, portanto, da interpretação sociológica popular iniciada por Aristóteles.
Por esta razão, é valido destacar, nesse breve artigo, o papel central da teoria competitiva da democracia (ou teoria minimalista da democracia, ou ainda teoria econômica da democracia) desenvolvida nas análises de Joseph Schumpeter, em Capitalismo, Socialismo e Democracia (Fundo de Cultura Econômica, 1961.), para a compreensão e entendimento dos processos de modernização política, social e econômica.
Schumpeter apresenta essencialmente duas teorias distintas sobre a questão da teoria democrática política. A teoria clássica presente nas obras de Aristóteles, Locke, Rousseau entre outros, que problematiza a questão da democracia no sentido de atribuir ao “povo”, ou conjunto de cidadãos, os fundamentos de legitimação dos pressupostos democráticos na sociedade e no Estado. Por outro lado, a democracia schumpeteriana aplicada às sociedades modernas tem como fundamento maior um aparato institucional de tomada de decisões políticas que se sobrepõe legitimamente ao próprio povo.
“O leitor deve recordar que nossas principais dificuldades no estudo da teoria [política] clássica centralizavam-se na afirmação de que o povo tem uma opinião definida e racional a respeito de todas as questões e que manifesta essa opinião – numa democracia – pela escolha de representantes que se encarregam de sua execução. Por conseguinte, a seleção dos representantes é secundária ao principal objetivo do sistema democrático, que consiste em atribuir ao eleitorado o poder de decidir sobre os assuntos políticos. Suponhamos agora que invertemos os papéis desses dois elementos e tornamos a decisão de questões pelo eleitorado secundária à eleição de representantes, que tomarão, nesse caso, as decisões. Ou em outras palavras, diremos que agora que o papel do povo é formar um governo, ou corpo intermediário, que, por seu turno, formará o executivo nacional, ou governo. Nossa definição passa então a ter o seguinte fraseado: o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor” (:327-8)
Dessa forma, na interpretação schumpeteriana, a democracia deve ser entendida a partir de alguns princípios:
Primeiramente, o poder Executivo deve ser limitado pelo Legislativo (tese do liberalismo clássico preservado no pensamento político de Schumpeter).
Em segundo, no procedimento democrático, a política é efetivada e realizada pelas lideranças (o papel das lideranças políticas é central no livre desenvolvimento e da competição democrática).
Em terceiro, as vontades coletivas não são negligenciadas, pelo contrário: é preciso criar vínculos que articulem tanto os interesses regionais ou privados, quanto os círculos de opinião pública, a fim de formar um ambiente favorável e propositivo para o fluxo de idéias e propostas, que Schumpeter chama de “situação política”.
Em quarto, a concorrência só realiza-se num ambiente plenamente democrático, pois a democracia permite que exista uma forte concorrência entre seus competidores (políticos), ou seja, “a concorrência livre pelo voto livre” dos eleitores e pelo controle institucional.
Em quinto, a democracia estabelece uma relação intima com as garantias das liberdades individuais e sociais fundamentais das sociedades de capitalismo avançado, à medida que as instituições fortalecem-se e legitimam o processo de emancipação jurídica e política.
Em sexto, o eleitorado tem o dever de formar o governo, mas também de dissolvê-lo mediante um ambiente adverso, de impopularidade ou corrupção – uma velha tese lockeana.
E em sétimo, a importância da representação proporcional que é garantida pela “vontade da maioria” em termos de representatividade (Schumpeter) e não pela “vontade do povo” (teoria clássica da democracia).
O centro do conceito de democracia em Schumpeter pode ser entendido nos seguintes termos:
“A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. E justamente este deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de definição” (:295-6).
Embora o pessimismo teórico de Schumpeter, para alguns, possa refletir algo negativista no tocante a política, desde já, podemos dizer que não entendemos assim. A democracia na sua interpretação minimalista permite ao analista político efetivar um approach teórico-empírico mais articulado, totalizado nas correlações de forças de cada situação concreta cheia de incertezas (observação feita por Adam Przeworski).
Afastando-se, nesse sentido, qualquer tendência utopista, fantástica e imprecisa do que se pode entender por democracia. O que está em jogo é apresentar uma outra visão da democracia: a democracia enquanto mecanismo institucional de tomada de decisão política. Tornando-a mais precisa, e fazendo com que os sujeitos que, de fato, participam da vida política manifestem seus desejos, propostas e interesses de maneira mais clara, nas instituições. A falsa consciência de “governo do povo e para o povo” – que Marx, aliás, já criticava no seu brilhante 18 Brumário de Louis Bonaparte –, torna-se apenas um jargão se levarmos em consideração o que a democracia é e sempre foi.
De qualquer modo, a partir das referências teóricas desenvolvidas por Schumpeter, a questão da democracia torna-se mais efetiva em termos de objetividade institucional. Em todo caso, a questão transforma-se em um obstáculo: de que forma pode-se aproxima a sociedade política da sociedade civil? O retorno às origens da modernidade e aos princípios republicanos? Aí é assunto para outra discussão...
Breno Rodrigo de Messias Leite
A grande discussão em torno da Democracia recente está sustentada em dois princípios elementares. De um lado, encontra-se a noção de democracia formal, puramente descritiva e que não acrescenta nada a mais que instituições livres e a garantia de direitos prescritos. De outro, pode-se encontrar a formulação de democracia substantiva, onde a participação popular muitas vezes extrapola o conceito meramente representativo e chega a determinar o ordenamento da sociedade política. Para alguns, ainda, a primeira representaria da democracia “burguesa”, enquanto a segunda a democracia “socialista”.
Outra discussão, talvez mais profunda, e não se distanciando muito das questões apresentadas no parágrafo anterior, é a ruptura teórico-conceitual elaborada por Schumpeter. Ruptura esta que rearticula o conceito de democracia demarcando-a em torno das instituições políticas, desassociando, portanto, da interpretação sociológica popular iniciada por Aristóteles.
Por esta razão, é valido destacar, nesse breve artigo, o papel central da teoria competitiva da democracia (ou teoria minimalista da democracia, ou ainda teoria econômica da democracia) desenvolvida nas análises de Joseph Schumpeter, em Capitalismo, Socialismo e Democracia (Fundo de Cultura Econômica, 1961.), para a compreensão e entendimento dos processos de modernização política, social e econômica.
Schumpeter apresenta essencialmente duas teorias distintas sobre a questão da teoria democrática política. A teoria clássica presente nas obras de Aristóteles, Locke, Rousseau entre outros, que problematiza a questão da democracia no sentido de atribuir ao “povo”, ou conjunto de cidadãos, os fundamentos de legitimação dos pressupostos democráticos na sociedade e no Estado. Por outro lado, a democracia schumpeteriana aplicada às sociedades modernas tem como fundamento maior um aparato institucional de tomada de decisões políticas que se sobrepõe legitimamente ao próprio povo.
“O leitor deve recordar que nossas principais dificuldades no estudo da teoria [política] clássica centralizavam-se na afirmação de que o povo tem uma opinião definida e racional a respeito de todas as questões e que manifesta essa opinião – numa democracia – pela escolha de representantes que se encarregam de sua execução. Por conseguinte, a seleção dos representantes é secundária ao principal objetivo do sistema democrático, que consiste em atribuir ao eleitorado o poder de decidir sobre os assuntos políticos. Suponhamos agora que invertemos os papéis desses dois elementos e tornamos a decisão de questões pelo eleitorado secundária à eleição de representantes, que tomarão, nesse caso, as decisões. Ou em outras palavras, diremos que agora que o papel do povo é formar um governo, ou corpo intermediário, que, por seu turno, formará o executivo nacional, ou governo. Nossa definição passa então a ter o seguinte fraseado: o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor” (:327-8)
Dessa forma, na interpretação schumpeteriana, a democracia deve ser entendida a partir de alguns princípios:
Primeiramente, o poder Executivo deve ser limitado pelo Legislativo (tese do liberalismo clássico preservado no pensamento político de Schumpeter).
Em segundo, no procedimento democrático, a política é efetivada e realizada pelas lideranças (o papel das lideranças políticas é central no livre desenvolvimento e da competição democrática).
Em terceiro, as vontades coletivas não são negligenciadas, pelo contrário: é preciso criar vínculos que articulem tanto os interesses regionais ou privados, quanto os círculos de opinião pública, a fim de formar um ambiente favorável e propositivo para o fluxo de idéias e propostas, que Schumpeter chama de “situação política”.
Em quarto, a concorrência só realiza-se num ambiente plenamente democrático, pois a democracia permite que exista uma forte concorrência entre seus competidores (políticos), ou seja, “a concorrência livre pelo voto livre” dos eleitores e pelo controle institucional.
Em quinto, a democracia estabelece uma relação intima com as garantias das liberdades individuais e sociais fundamentais das sociedades de capitalismo avançado, à medida que as instituições fortalecem-se e legitimam o processo de emancipação jurídica e política.
Em sexto, o eleitorado tem o dever de formar o governo, mas também de dissolvê-lo mediante um ambiente adverso, de impopularidade ou corrupção – uma velha tese lockeana.
E em sétimo, a importância da representação proporcional que é garantida pela “vontade da maioria” em termos de representatividade (Schumpeter) e não pela “vontade do povo” (teoria clássica da democracia).
O centro do conceito de democracia em Schumpeter pode ser entendido nos seguintes termos:
“A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. E justamente este deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de definição” (:295-6).
Embora o pessimismo teórico de Schumpeter, para alguns, possa refletir algo negativista no tocante a política, desde já, podemos dizer que não entendemos assim. A democracia na sua interpretação minimalista permite ao analista político efetivar um approach teórico-empírico mais articulado, totalizado nas correlações de forças de cada situação concreta cheia de incertezas (observação feita por Adam Przeworski).
Afastando-se, nesse sentido, qualquer tendência utopista, fantástica e imprecisa do que se pode entender por democracia. O que está em jogo é apresentar uma outra visão da democracia: a democracia enquanto mecanismo institucional de tomada de decisão política. Tornando-a mais precisa, e fazendo com que os sujeitos que, de fato, participam da vida política manifestem seus desejos, propostas e interesses de maneira mais clara, nas instituições. A falsa consciência de “governo do povo e para o povo” – que Marx, aliás, já criticava no seu brilhante 18 Brumário de Louis Bonaparte –, torna-se apenas um jargão se levarmos em consideração o que a democracia é e sempre foi.
De qualquer modo, a partir das referências teóricas desenvolvidas por Schumpeter, a questão da democracia torna-se mais efetiva em termos de objetividade institucional. Em todo caso, a questão transforma-se em um obstáculo: de que forma pode-se aproxima a sociedade política da sociedade civil? O retorno às origens da modernidade e aos princípios republicanos? Aí é assunto para outra discussão...
Um comentário:
Prezado Breno,
Noto que vc admira Schumpeter, provavelmente porque o considera um teórico realista. É certo que Schumpeter, ao contrário de Mosca e Pareto, não era um autor antiliberal, mas era, claramente, um pessimista, que a via a democracia como mero método de escolha dos governantes. No período entre eleições, o eleitorado nada poderia fazer para influenciar as decisões da elite dirigente. Nesse sentido, a sua terceira proposição ("Em terceiro lugar, as vontades políticas não são negligenciadas") não me parece, com todo o respeito, muito adequada, pois, para Schumpeter, o povo era um mero espectador da cena política, chamado, periodicamente, a votar, mas sem realizar o que se chama hoje de accountability horizontal.
A 4ª proposição ("A concorrência só realiza-se num ambiente democrático") deve ser matizada, pois há sistemas políticos que, embora não sendo democráticos, permitem a concorrência entre grupos ou oligarquias. Basta termos em mente os tipos criados por Dahl. É curioso constatar que, hoje, até mesmo algumas ditaduras realizam eleições (concorrência, portanto) objetivando legitimar-se diante dos governados - Dahl cita, por exemplo, o peronismo que, embora permitisse uma alta participação popular nas eleições, reprimia, por outro lado, a oposição, o que afastava aquele sistema de ser considerado uma poliarquia.
No conjunto, todavia, gostei do seu artigo, apesar das discordâncias acima descritas.
Abraços,
Bandarra.
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